Energia solar é alternativa para Arena da Amazônia tornar-se autossuficiente
Sol e futebol são uma combinação perfeita. E essa mistura vai muito além das ‘peladas’ à luz do dia. A utilização de energia solar nos estádios revolucionou o conceito de sustentabilidade no esporte. E a Amazônia, referência em potencial solar, não poderia ficar de fora desse debate. A Fundação Vila Olímpica (FVO) estuda implementar um sistema de captação de energia solar na Arena da Amazônia, como forma de tornar o estádio autossuficiente. O Portal Amazônia explica os benefícios do sistema, como pode ser aplicado e outras questões.
De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Amazonas tem potencial de radiação solar cinco vezes maior que o da Alemanha. O país germânico, todavia, é líder mundial em geração de energia solar. “O Amazonas possui um grande potencial de radiação solar durante o ano inteiro, o que justifica a utilização de energia solar. Na Europa, por exemplo, eles possuem um baixo potencial de radiação solar durante o ano. No entanto, eles investem muito mais em recursos tecnológicos de obtenção de energia limpa”, ponderou o pesquisador e coordenador do Núcleo de Inovação e Tecnologias Sustentáveis (Nits) do Instituto Mamirauá, Josivaldo Modesto.
O sistema de geração de energia solar ainda é pouco explorado no Amazonas. Prova disso é que mais de 90% da geração elétrica do interior do Amazonas vem de termelétricas movidas a óleo diesel, também segundo a Aneel. “O diesel produz muito dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases causadores do efeito estufa. Esses gases acumulados aumentam a temperatura média do planeta”, observou o professor e pesquisador do departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Johnson Pontes.
Apesar da pouca utilização, o sistema de captação de energia solar é facilmente aplicável nos arredores da Arena da Amazônia, uma área com alta incidência de luz solar. A ideia da FVO, que negocia a implementação do sistema junto com a concessionária local (Eletrobrás), é a de futuramente estender a tecnologia também para a Arena Amadeu Teixeira, o Sambódromo, o Centro de Convenções do Amazonas e ainda os dois Campos Oficiais de Treinamento (COTs) construídos para a Copa do Mundo: estádio Ismael Benigno (Colina) e estádio Carlos Zamith (Coroado).
Aplicação
A luz solar é uma fonte primária de energia e, por meio de dispositivos fotovoltaicos, pode gerar eletricidade. “Existem dois tipos de sistemas de energia solar. O mais conhecido é o sistema fotovoltaico autônomo, composto por um conjunto de painéis solares, que nós chamamos de geradores solares. Esses painéis captam a energia luminosa do sol e transformam-na em corrente elétrica”, explicou Josivaldo Modesto.
Modesto também detalhou alguns dos componentes do sistema fotovoltaico autônomo. “Existe nesse sistema um componente chamado controlador de carga, que é o ‘cérebro’ do sistema; um banco de baterias, onde a energia gerada é acumulada; e também um inversor, onde ele vai transformar a corrente contínua no banco de baterias em corrente alternada, que é o tipo de corrente que utilizamos nas nossas casas”.
O outro sistema de energia solar existente é o Sistema Fotovoltaico Conectado à Rede. A tecnologia foi instalada no último mês de outubro na sede do Instituto Mamirauá e é pioneira na Amazônia. São duas placas solares em que os módulos são alojados em uma estrutura móvel, na qual o ângulo de inclinação e orientação é variável durante o dia, para possibilitar melhor aproveitamento da radiação solar. “É um rastreador solar por seguimento, porque ele rastreia a trajetória que o sol faz durante o dia e se movimenta de acordo com o sol, como se fosse um girassol, de forma automática”, complementou Modesto.
Sistema fotovoltaico conectado à rede do Instituto Mamirauá. Foto: Amanda Lelis/Instituto Mamirauá
Segundo Johnson Pontes, caso a Arena da Amazônia adotasse o sistema de geração de energia solar, esse sistema seria capaz de produzir até 4 mil megawatt-hora (MWh) por ano, o suficiente para abastecer em torno de 3,5 mil residências anualmente. “Por que não aproveitar esta forma ecológica e, principalmente, aproveitar o potencial energético da Amazônia?”, questionou.
Este tipo de sistema também gera um excedente de energia, que pode ser entregue à rede pública da concessionária local. “Com esse excedente de energia é possível criar um sistema, como existe na Alemanha, para a sua utilização com outros fins. Esse excedente poderia ser utilizado na indústria ou na eletrificação rural, por exemplo”, afirmou Pontes.
Situação atual
Dos estádios construídos para a Copa de 2014, apenas três usam energia solar: o Maracanã (Rio de Janeiro), o Mineirão (Minas Gerais) e a Arena Pernambuco. “No caso do Mineirão, parte da energia que ele consome é dessa forma [energia solar]. O sistema foi incorporado no projeto arquitetônico e também no projeto elétrico da obra”, disse Josivaldo Modesto.
A ideia é que, a partir de 2015, a Arena da Amazônia também conte com essa tecnologia. Mais do que emitir energia limpa, o sistema também proporcionaria um ‘alívio’ financeiro para a FVO. O estádio demanda um alto custo mensal de energia elétrica. O valor pode chegar a R$ 200 mil, o que representa quase 1/3 do custo de manutenção dos três estádios administrados pela entidade (Arena da Amazônia, Colina e Coroado), que é de R$ 700 mil mensais.
A negociação, entretanto, ainda está em fase de estudos. “A empresa [Eletrobrás] vai fazer um teste aqui na Arena por seis meses pra ver se é viável [a instalação do sistema de energia solar]. Eles colocaram um equipamento aqui e recebem a informação do consumo diário [de energia] da Arena com e sem evento. E também detecta se em torno da Arena existe algum desvio de energia. Mas isso é um estudo que está sendo feito. Depois de seis meses, que foi o prazo que eles deram, vamos saber se é viável ou não”, explicou o diretor-presidente da Fundação Vila Olímpica (FVO), Aly Almeida.
Inicialmente, a proposta é abastecer apenas a Arena da Amazônia e a Vila Olímpica com energia solar, mas Aly Almeida pediu que os COTs também sejam ‘gratificados’. “A proposta da Arena e da Vila Olímpica foi deles [Eletrobrás], mas a dos COTs é minha. É interesse nosso porque, além de produzirmos energia limpa, também ganharíamos coberturas nas arquibancadas dos COTs, que não foram projetadas pela Fifa”.
A tendência é que, caso a Arena da Amazônia de fato receba o sistema de energia solar, o estádio perca um pouco de sua identidade visual. As placas fotovoltaicas geralmente são instaladas na cobertura dos estádios. E a cobertura da Arena da Amazônia, em formato de cesto indígena, é o diferencial da arquitetura do estádio. A mudança, entretanto, seria por uma causa maior: o meio ambiente.
Reeducação ambiental
Para Johnson Pontes, a utilização de energia solar na Arena da Amazônia seria o primeiro passo para a reeducação socioambiental da sociedade. “Se esse sistema fosse adotado na Arena, ele seria exemplo para outros projetos sustentáveis. As pessoas incorporariam as formas de energia renováveis”, destacou.
Pontes alerta para os problemas na dependência da energia de hidrelétricas. “Sabemos que a nossa matriz energética tem problemas porque os rios do Brasil estão sem volume de água suficiente para a geração de energia, como vemos no [Sistema] Cantareira, o maior reservatório de água de São Paulo. Devemos agregar novas formas de energia, a nossa matriz tem que ser exemplo. E um dos potenciais da região amazônica é justamente aproveitar a radiação eletromagnética para a geração de energia elétrica pelo efeito fotovoltaico”. Em junho do ano que vem, Pontes participa do ‘All About Energy 2015’, uma exposição e conferência internacional das energias alternativas e renováveis.
Josivaldo Modesto enaltece a preocupação com a emissão de energia limpa, mas afirma que o alto custo ainda é um bloqueio para o investimento na tecnologia. “Hoje em dia existem várias formas de incorporar o sistema de captação solar em centros urbanos, principalmente em uma cidade como Manaus. Mas a tecnologia de energia renovável ainda está longe de substituir outras fontes de energia, como a própria matriz diesel e a hidrelétrica. Ainda é muito pouco para atender e o custo é muito elevado”, pontuou.
Estádios sustentáveis pelo mundo
O conceito de ‘estádio sustentável’ já é bem absorvido por outros países, sobretudo a Alemanha. O sistema de energia solar do Mineirão, por exemplo, foi inspirado no estádio Dreisamstadion, na cidade de Freiburg, considerada a ‘capital solar’ da Alemanha. Outra inspiração foi o Stade de Suisse, em Berna (Suíça), estádio que possui a maior cobertura solar do mundo.
O estádio Wesertadion, na cidade de Bremen (Alemanha), também merece menção honrosa. Os torcedores do Werder Bremen, clube da cidade, são incentivados a comprar a energia solar gerada no estádio do time do seu coração. O telhado do estádio é praticamente todo coberto por painéis solares.
Possivelmente o exemplo mais impressionante seja o estádio Kaohsiung, em Taiwan, o primeiro do mundo 100% movido a energia solar. Seu teto é recoberto por nada menos que 8.844 placas solares. A tecnologia também se estende para estádios de outros esportes, como o AT&T Park e o Fenway Park (Estados Unidos), ambos do beisebol.
Exemplo
Apesar de ainda não utilizar energia solar, a Arena da Amazônia já é um dos estádios mais sustentáveis do Brasil. O estádio amazonense possui o selo de certificação LEED para empreendimentos sustentáveis. O LEED é um sistema internacional de certificação e orientação ambiental para edificações, utilizado em 143 países, e possui o intuito de incentivar a transformação dos projetos, obra e operação das edificações, sempre com foco na sustentabilidade de suas atuações.
A irrigação do gramado da Arena é automatizada e feita por 35 aspersores e pode utilizar a água dos reservatórios, com capacidade para 120 mil litros, que armazenam a chuva captada pela cobertura. Há sete tanques que recebem a água das chuvas. A água é refiltrada e retratada para ser reutilizada. Uma área de mais de 20 mil metros quadrados de captação na cobertura faz com que a água possa ser direcionada para os tanques.
Com 11 metros de altura acima das vias ao redor da Arena da Amazônia, o nível do pódio tem 14 aberturas para aumentar a ventilação da área interna. A cobertura translúcida permite uma passagem maior de luz, diminuindo o uso de energia artificial. Na construção do estádio, 95% do material da demolição do antigo Vivaldo Lima foi reaproveitado.
Manaus foi a cidade-sede que menos emitiu gases de efeito estufa durante as operações do Mundial. A adoção do sistema de energia solar na Arena seria mais uma forma de combater este vilão global, a partir da produção de energia limpa. E nada melhor do que um estádio no coração da floresta para abraçar esta causa.